domingo, 15 de fevereiro de 2015

Sonho morto


Sei que estou sozinho
Na liberdade condicionada
Pelo meu corpo
Frio e cansado,
Um trapo velho
Que quer voar com as suas
Asas mortas
Perdidas no céu

Sei que sou uma solidão
Acompanhada de muitas
Outras,
Iguais a mim
Todos nós somos vida
Presa no olhar azul
De um céu triste e grave
que ilumina o nada que somos

Bebo a vida
Que se enterneceu no meu bigode
Sujo e sombrio
Que ficara como uma
Das muitas belas sagas
Da tristeza

Misturavam-se fios grisalhos de silêncio
Com gotas franzinas de vida
Que se entranhavam
Na carne húmida e abandonada
De um deus menor

Gostava de brincar
Enquanto estava desperto
E depois ao adormecer
Tudo se perdia num leve sono
Que me prendia á existência

E quando dormia
Nunca sonhava
Ou lembrava um sonho
Estava proibido de sonhar
De brincar com a alma
Enquanto o escuro prendia a noite
Neste seu abraço irreal à escuridão

Quando adormecia
O escuro inundava o quarto
Numa leve maré de sombras
Que silvavam
Nos meus ouvidos
Contando em curtos murmúrios
A história do silêncio

A chuva sussurrava ao longe
numa voz que não é a sua
fechava-se na janela embaciada
do meu quarto
confundindo-se no vidro
enevoado
do meu olhar

A saraiva cobria o escuro
Num leve sorriso
Prateado e incompleto
que mais parecia um incêndio
suspenso
que morria asfixiado
a um dos cantos da minha alma

Eu ficava sozinho
Meus cabelos e meus olhos
Ficavam da cor do escuro
E por fim todo eu era escuridão
Adormecida pelos abraços abafados
Do vazio
Que me sufocava lentamente
Como uma voz
Que me toca a carne
Ensonada e adormecida…

O meu sonho morria
E eu chorava no silêncio
Que me compunha
Ficava triste por breves
Momentos
Tocava os seus cabelos brancos
De nevoeiro
E soprava-os num instante morto
E perdido

Tocava-lhe as mãos pálidas
Melancolicamente fechadas
-E eu tinha saudade-
Saudade de não poderes vir mais
Brincar comigo
Quando adormecer

Estavas morto
De rosto perdido
Num pedaço infinito qualquer
onde o teu olhar cabia
E eu olhava-te
Nesta arte literal de morrer
Sentia a vida esvair-se
Do teu sorriso estrelado
Abraçava-te uma última vez
E nunca mais te vira…

Ardias no bulício escuro
De uma insónia
E depois desaparecias
Num voo fraco e impossível
Que rasgava a realidade
Na tua doce maneira de voar…


PoReScRiTo



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