sábado, 14 de junho de 2014

Senhor do Tejo


Levantava-se o temerário
Pelas sombras frias do crepúsculo
Os seus dedos finos
Crepitam cristalinos na bruma seca

Ali caminhava
Confundindo-se na penumbra
Palavras suavam cansadas
Na luz cálida dos seus olhos

O céu estava nu
E apenas as suas duas lentes
Denunciavam a sua presença,
Os seus olhos brilhavam côncavos
Turvos com o passar do vento

A brisa negra passava submissa
Nas suas velas arqueadas,
A lua brilhava para si
Só para ver o seu primeiro dia
De reinado…

Estava ali entre nuvens
A carne dispersa do maior génio
Do universo,
Ele balançava no desassossego dos anjos
Que esvoaçavam nas suas
Garras de Olímpo

Fitava-o cego
Com a sua coroa negra
Ele adormecia no céu de Lisboa
Nesta noite alquímica

A lua pairava no seu vermelho maçónico
Caminhava ao vento
Nos seus passos de miragem
As ruas emanam as papoilas cândidas
Da sua aparição

O manjerico secava nas ruas
Toda a matéria estava junta
Naquele andar doente,
As folhas esfolavam-se nas tijolas de barro
Sucumbindo ao seu passar

Estou ali num dos seus silêncios urbanísticos,
Uma árvore descansa cinzenta
Na sua presença,
Ele sobe os seus ramos e toca o incenso
Das suas folhas,
Arranhas o céu com o teu tocar incolor
Pairas no azul e desapareces numa lágrima
Inexistente…

Afundas-te no mogno espesso

do seu aroma citrino,
Os seixos brilhavam na praia
eram eles as teias do infinito
que germinavam do céu...
Tocas o vazio seco desse espaço
morto,
e perdes-te suavemente de ti...

Estavas ali fitando o rio
Com o teu caderno de silêncios
Ainda te materializavas
No teu sorriso pequeno
Que outrora fora Tejo

O rio estava tenro
No seu estar de carneiro
Agora estava solitário,
Era o emaranhar de lágrimas fraternas
De penas claras da paz fria da morte…

...Nada nascera
Nada morrera
Apenas as sombras cresciam
Em fumos de omnipresença
Num rosto como qualquer outro…

Olhavas as gotas do canal
Com o seu doce abstrato
De inverosimilhança ao mar,
Tinhas olhos claros
De uma lua que se enchia do teu silêncio
Acariciavas as páginas secas
Tingidas de névoa noturna

Desaparecias no teu adormecer
Rompendo as linhas da realidade
Transformas-me num dos teus sonhos
Prematuros,
Estás ali envolvido na secura de um nascer,
Envolto na palidez das nuvens…

Ontem olhava o rio brando
Ele tocava-me com as suas vértebras nuas
Que desmaiavam
No ondular dos meus olhos,
Olho agora o Rei de Lisboa
Ele marulha no céu
Com a sua coroa negra,
Toca com os seus dedos de nuvem
A pele húmida da terra…

Deixavas-te perder
Naquele ondular profícuo
Dos teus olhos…

Outrora homem,
Ontem Tejo,
Hoje céu,
O espelho do universo

Nunca mais morrias
Em tantos anos passados
Estavas só na tua iluminação,
Ainda caminhas nos teus trilhos urbanos
Agora és a estrela
Que habita o meu sorriso rural…

Por entre um olhar acabado
Penduras as vestes na ombreira do céu
Agora a noite brilha
 Em gotas brancas e firmes da minha solidão

Estou só e pequeno
Aqui, no calor da terra
O alecrim recorda-te
E desaparece como a minha
Memória…


Para aquele que foi homem
E agora é as portas do céu
Que se abrem na sua mestria…

XIII/VI/MMXIV
Sexta-feira 

PoReScRiTo 

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